Andasse eu por Lisboa e passava ... #1

... pelo Arco. Que saudades dos tempos que por lá andei. 
Saudades de toda a liberdade que sentia quando ia para lá, de ser dona e senhora de todas as minhas vontades e desejos, de poder fazer tudo o que me dava na "real gana" quando fechava a porta da Câmara às 17:30 e abria a porta da minha "outra vida".
Duas vezes por semana saía da Câmara a correr, com todos os materiais já na mala, enfiava-me no metro até à "Baixa" e depois pegava o "Eléctrico 28" até ao Miradouro das Portas do Sol, depois eram só mais uns passos na direcção do Castelo de São Jorge e a meio da encosta ficava o Arco. Só o caminho até lá já era uma lufada de ar fresco no meu dia e uma inspiração para as horas que se avizinhavam.
O Arco funciona num edifício antigo, com a estrutura em madeira já bastante deformada pelo tempo, mas com detalhes preciosos, como toda a caixilharia em ferro aberta sobre o estuário do Tejo, os cavaletes, os estiradores, os cheiros a óleos e terebintinas impregnados naquelas salas, os desenhos esquecidos, os materiais perdidos, a luz...



Assim que lá entrava o mundo todo transformava-se em cores, pincéis, paletas, desenhos livres, materiais inesperados, modelos humanos, modelos inertes e um conjunto de clientes eclécticos debruçados sobre este mundo. O Arco é uma escola sem bitolas. Ao princípio estranha-se este novo modo de aprendizagem (eu que sempre precisei de tudo tão sistematizado) mas depois começa-se a tomar o gosto por navegar à deriva, ao sabor da nossa corrente e a confiar no nosso leme... Eram horas em que o pensamento se ausentava e nos entregávamos intensamente ao que era proposto, sempre original e diferente. Os orientadores apenas lançavam o mote e a partir daí era ver as coisas diferentes que resultavam de uma única premissa inicial. Entrávamos com uma luz radiosa a invadir toda a sala e à medida que íamos comandando o rumo da nossa linha ou pincelada, por este ou por aquele caminho, o sol ía declinando a poente, as luzes da encosta e da margem sul do Tejo iam se acendendo e arrumávamos tudo já noite cerrada, com um cenário por de trás do envidraçado diferente, mas sempre perfeito.


Saía sempre refrescada, surpreendida e contente com os desenhos e pinturas que trazia debaixo do braço.
À porta esperava-me o meu amor maior e ainda podíamos jantar tardiamente ali por perto ou dar um salto até ao Bairro Alto... Grandes vidas...

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